sexta-feira, 11 de abril de 2014

Nórdicos Perdidos


Se você estiver minimamente antenado com a comunidade gamer, certamente já ouviu muita gente por aí repetindo um dos discursos abaixo:
  • "Ah, esse jogo aí era bom no ano passado, mas agora? Olha que gráficos datados, não dá mais pra jogar."
  • "Nada que é lançado hoje em dia presta, os últimos jogos bons foram os que saíram quando eu ainda era criança."
É óbvio que estou exagerando, mas o fato é que eu não concordo com nenhuma das duas generalizações. Desde o início, a indústria sempre conseguiu lançar jogos totalmente descartáveis ao mesmo tempo que outros que se tornam clássicos instantaneamente. Mesmo no mítico ano de 1998 você vai encontrar muitos lançamentos desprezíveis, se você procurar.

É lógico que, conforme o tempo passa, alguns dos grandes jogos do passado ficam datados, e não valem mais o seu tempo. Outros, no entanto, continuam tão fantásticos como sempre foram, e podem divertir você mais do que muitos AAA do momento, se você der uma chance...
Hoje vou dar um exemplo em que vale a pena ser retro gamer. Aliás, o exemplo! Não só eram os meus jogos favoritos na época, como eu nunca vi jogos envelhecerem tão bem assim.

Com vocês, os melhores jogos já lançados em cartucho: The Lost Vikings e sua sequência, The Lost Vikings II.

Questão de Estilo

"Heresia! E Ocarina of Time? E Super Mario Bros. 3? E [seu jogo favorito em cartucho]?", dirá você. Bom, é certo que eu sou um gamer frugal, que não jogou (muito menos zerou) todos os títulos que poderiam ser indicados aqui. Ainda assim eu tenho bastante certeza de que isso não teria alterado a minha humilde e modesta opinião.

O motivo é muito simples: puzzle é o meu estilo de jogos favoritos. Mas não serve qualquer um. Se você olhar a lista de puzzles da Wikipedia, você vai encontrar subcategorias inteiras de clones de Tetris, Bejeweled, Marble Madness, além de clássicos, como Campo Minado.

Todos esses puzzles tem duas características que não me agradam:
  • O desafio é gerado aleatoriamente. Eu prefiro resolver fases cuidadosamente projetadas pelo designer.
  • Todos eles se resumem à interação entre blocos, esferas, números... É tudo muito impessoal! Gosto mais de jogos com personagens humanos (ou não) que funcionam como um avatar do jogador.

Mas duas subcategorias da lista se destacam para mim: Single character control, onde estão alguns dos meus jogos favoritos de todos os tempos, como os clássicos Sokoban, Boulder Dash e Lode Runner, e os mais recentes Antichamber, Portal, Portal 2 e Braid; e uma subcategoria com poucos exemplares, Multiple character control.


O representante mais famoso dessa última subcategoria é Lemmings, um jogo que tem improvisação demais para mim. Eu gosto de puzzles com soluções específicas, gosto de deduzir, não de improvisar. Além disso, em nenhum momento você se sente sendo um dos lemmings... Eles são seus minions, como as bolinhas de World of Goo.

Eu sei que essa lista é parcial, mas dá para perceber como Lost Vikings é um jogo único, já que ele mal combina com seus poucos companheiros de categorização.

Jogabilidade

Você controla múltiplos personagens? Sim. Mas são só três, sempre os mesmos três, e cada um tem uma personalidade e habilidades bem distintas! Você precisa fazer com que eles trabalhem muito bem em conjunto se quiser concluir qualquer fase do jogo.

Vale lembrar que a desenvolvedora destes jogos é ninguém menos que a própria Blizzard! Só que até 1994 ela se chamava Silicon & Synapse, daí o logo diferente no início do primeiro jogo. Entre o Lost Vikings e o Lost Vikings II ela lançou, dentre outros jogos, Diablo, Warcraft e Warcraft II, já ouviu falar?


Aliás, Warcraft II (não joguei o primeiro) também é baseado em fazer unidades com diferentes habilidades trabalharem em conjunto para atingir um objetivo. É lógico que em Warcraft II o foco é 100% estratégico... Mas essa pitada minimalista de microgerenciamento é uma das características mais marcantes e diferenciadoras de Lost Vikings.

E é um jogo para toda a família! Os puzzles jamais são frustrantes, você não vai precisar olhar nenhum guia para descobrir como passar de uma fase qualquer. O jogo nem mesmo exige que você tenha o manual a mão, há dicas contextualizadas nas primeiras fases ensinando a usar cada comando, a manipular seu inventário... Algo comum hoje em dia, mas bem raro na era dos 16 bits.

Fora ser um puzzle acessível, de soluções bem projetadas, com a mecânica precisa de um bom jogo de plataforma e da interação entre os três protagonistas, o jogo ainda tem um tempero que eu aprecio muito, um que infelizmente é mais raro do que deveria nos videogames: o humor.



A começar pelos gráficos, que lembram bastante o estilo cartunesco de Warcraft II. Os sprites dos vikings são hilários em qualquer situação: quando os personagens estão à toa, quando combatem, mesmo quando são eletrocutados... Os próprios efeitos sonoros, como o som do arco de Baleog ao soltar uma flecha. É pena que as limitações dos videogames de 16 bits não tenham permitido dar vozes aos personagens. Imaginem como seria o equivalente viking do "aye aye, sir" característico dos orcs de Warcraft II...

Mas pelo menos os diálogos em texto entre os vikings são muito divertidos, e aparecem em situações inusitadas também (como ao tentar novamente uma fase pela enésima vez). Eles talvez não façam você rolar no chão de rir, mas certamente arrancarão sorrisos do seu rosto. Você estará constantemente sendo lembrando que o objetivo aqui é se divertir.

Passwords

Não são apenas o humor e a dificuldade equilibrada que contribuem para que Lost Vikings se mantenha totalmente acessível até hoje.

Uma das minhas maiores frustrações no NES era que, sempre que eu inseria um cartucho e ligava o videogame, tinha que começar os jogos do zero. Não tinha como você salvar o seu progresso! Tudo bem que RPGs como Zelda e Final Fantasy tinham uma bateria para viabilizar os saves, mas eram exceções.

Para zerar Super Mario Bros., por exemplo, eu pegava todas as warp zones possíveis... E os três jogos da série Ninja Gaiden, então? Eu e meus primos convencíamos minha avó a deixar o videogame ligado o final de semana inteiro, e nos alternávamos numa verdadeira maratona...

Imaginem minha surpresa quando meu primo comprou um Super Nintendo e descobrimos que o Super Mario All-Stars salvava o seu progresso? E melhor ainda, o Ninja Gaiden Trilogy tinha passwords para todas as fases! Uma vez anotados, nunca mais precisamos gastar horas só pra chegar no ato em que estávamos...



Eu adoro passwords em jogos lineares. Eles são basicamente um menu para escolher fases. E se você já passou por aquelas fases, porque não? Até hoje são lançados jogos que não entendem que eu posso querer rejogar uma fase específica sem necessariamente recomeçar o jogo do início... Os passwords ainda são imunes a problemas técnicos, como a bateria acabar, o save corromper etc. Mas eu entendo porque eles foram abolidos, já que hoje seria trivial obtê-los na internet.

Uma alternativa que apareceu mais tarde foi baixar saves. Só assim eu vi alguns artworks que eu estava sem paciência de destravar no God of War do PSP, por exemplo. Mas hoje, com o problema das conquistas e troféus, muitos desenvolvedores assinam o save e não tem como carregá-lo em outro profile, nem mesmo desativando as tais conquistas e troféus!

Depois não entendem porque tem gente que desiste e vê o final do jogo no YouTube.

Mas Lost Vikings e Lost Vikings II têm passwords de apenas quatro letras, meu amigo. E os passwords ainda são fáceis de lembrar, como TRSS para uma fase que tem muitas árvores. E continues infinitos! Eu odeio jogos com continues limitados, mas vou poupar você de outro rant (pelo menos neste post).

Super Nintendo ou Mega Drive

Ninguém mais usa um Amiga hoje em dia, nem o MS-DOS no PC. A versão do Game Boy Advance só tem gráficos simplificados... Mas decidir entre as duas principais versões do jogo é mais complicado.

A versão do Super Nintendo tem gráficos e som nitidamente superiores, mas a versão de Mega Drive tem cinco fases a mais! Os passwords dessas fases são TR33, SNDS, TMPL, RVTS e PDDY.

Mas há outras questões relevantes para escolher qual versão jogar.

Controles


O controle do Super Nintendo, com seus 6 botões mais SELECT e START, é perfeito para controlar os vikings. Os botões B e Y servem para ativar as habilidades primária e secundária, o botão A para operar alavancas etc. e o botão X para usar itens. L e R servem para trocar entre os vikings, START pausa o jogo e permite reiniciar a fase enquanto SELECT acessa o inventário.


Para poder fazer tudo isso no controle padrão do Mega Drive as coisas ficam muito mais confusas. A e B ficam com as habilidades secundária e primária, enquanto C opera alavancas etc. Mas você precisa segurar o START para fazer todas as outras ações, como trocar entre os vikings usando o D-pad, usar um item apertando C ou reiniciar a fase apertando o A. Imagine apertar START e C ao mesmo tempo toda vez que quiser usar um item, sendo que ambos os botões ficam do lado direito do controle... Além de que o próprio START também acessa a tela de inventário...


Por sorte o jogo suporta o controle de 6 botões, e aí tudo volta a ficar simples. O START fica dedicado a pausar e reiniciar a fase, X e Z trocam entre os vikings, Y usa itens e a tela de inventário passa a ser acessada pelo botão MODE. Você sabia da existência desse botão, na parte superior direita do controle? Sabe para que serve?


Parênteses: o botão MODE

Se você segurasse o MODE enquanto ligava o Mega, o seu controle de 6 botões passava a funcionar como um de 3, para evitar problemas com alguns poucos jogos anteriores, como Golden Axe II, que de outra forma não funcionavam com o controle novo. Note que a esmagadora maioria dos jogos anteriores não precisava disso, a ponto de muita gente até hoje não saber para que serve o tal botão.

Fora esse modo de compatibilidade, no entanto, o botão MODE era um botão normal como qualquer outro. Mas por ser um botão recuado e escondido há muito poucos jogos que utilizam o MODE, como Batman Forever, Doom, Fatal Fury 2... e Lost Vikings.



Se você for jogar usando um emulador, fique sabendo que nem todos mapeiam o botão MODE. Alguns são descuidados ao ponto de não só não mapear o tal botão, mas também não deixam você trocar para um controle de 3 botões! Nesse caso sua única alternativa é conseguir uma versão hackeada do jogo que trata qualquer controle como se fosse de 3 botões, ignorando X, Y, Z e MODE. Ou trocar de emulador.

Multiplayer

Muita gente não sabe, mas no menu inicial do jogo você pode ir em OPTIONS e mudar o número de jogadores para dois. Nesse caso, L + R trocam o foco para o outro jogador no Super Nintendo. Para fazer o mesmo no Mega, você precisa apertar A + B + C (tanto no controle de 3 botões quanto no de 6), o que pode causar efeitos colaterais indesejados, como o Olaf levantar o escudo na frente de um inimigo ou qualquer um dos vikings apertar um botão indevidamente. Isso não acontece na versão do Super Nintendo, onde no máximo o efeito colateral vai ser a troca para outro viking além da troca de foco.

Jogar com dois jogadores pode ser um pouco estranho, já que não existe uma relação direta entre os jogadores e os vikings. Qualquer jogador pode trocar entre o viking atual e o viking "livre". No começo, o jogador 1 começa com o Erik, o jogador 2 com o Baleog e o Olaf está "livre". Mas se o jogador 1 trocar para o Olaf e passar o foco para o jogador 2, este pode trocar para o Erik, que agora está livre.

Quando eu jogo assim eu estabeleço a seguinte política para simplificar: para trocar de viking deve-se trocar de jogador. Ou seja, se o jogador 1 começa com o Erik, e chega a um ponto em que ele precisa do Olaf, ele deve passar o foco para o jogador 2, mesmo o Olaf estando livre. O jogador 2 então troca do Baeleog para o Olaf e vai ajudar o Erik. Dessa forma garantimos que nenhum dos dois jogadores vai ficar muito tempo sem jogar, nem haverá dúvidas do tipo "quem controla o Erik agora?"

Mas o ideal mesmo é jogar com 3 jogadores! Isso mesmo, na versão do Mega, se você tiver o TeamPlayer (o Multitap da Sega) e três controles, três pessoas podem jogar ao mesmo tempo. E neste caso não há margem para dúvidas: um mesmo jogador nunca pode trocar de viking, pois nunca há vikings livres. Ou seja, jogador 1 = Erik, jogador 2 = Baleog e jogador 3 = Olaf até o fim do jogo. Essa é a forma suprema de se jogar Lost Vikings!

Enfim, se você conseguir convencer dois amigos a jogarem com você, opte pela versão do Mega sem pestanejar. Caso vá jogar sozinho ou em dupla e tenha acesso a ambas as versões, jogue a do Super Nintendo e depois jogue apenas as cinco fases extra no Mega Drive.

A sequência


Se no primeiro jogo o debate entre a melhor versão fica em aberto, no segundo não há sombra de dúvida: jogue a versão do Super Nintendo, que saiu primeiro, foi feita pela Blizzard e mantém os gráficos 2D cartunescos no mesmo estilo do primeiro.

Fuja das versões de PC, Playstation e Saturn, que tem Norse by Norsewest no título. Essas versões foram terceirizadas para a Beam Software, que trocou os belos gráficos da Blizzard por algo modelos pré-renderizados tipo Donkey Kong Country. Afinal, era 1997, e os videogames da quinta geração estavam fazendo sucesso com seus gráficos 3D de meia dúzia de polígonos e texturas esticadas parecendo verdadeiras colchas de retalho.


Não me entenda mal, eu gosto dos gráficos de DKC. Mas o resultado do trabalho da Beam Software ficou desastroso. Você não precisa acreditar em mim. Digite Norse by Norsewest no Google Imagens e veja quantos screenshots você tem estômago para clicar.

Voltando ao Super Nintendo, a sequência é mais do mesmo: dois personagens a mais (embora você continue controlando apenas três de cada vez), novas habilidades para os personagens antigos etc. Só que mais do melhor jogo da era é sensacional! Jogabilidade, humor, tudo se mantém afinado como no primeiro.

Um retrocesso é que, na sequência, só há suporte para um ou dois jogadores (assim como a versão de Super Nintendo do jogo original). É uma perda, mas já que os três personagens jogáveis variam de uma fase para outra, a identificação do jogador com o personagem nunca seria tão forte como no primeiro jogo. Certamente é melhor asssim do que se fosse o contrário (a sequência suportasse três jogadores, mas o original não).

Veredito

Eu não gosto de chamar nenhum jogo de imperdível, mas estes dois jogos são minha maior recomendação antes do Playstation 2. Retro ou não, são uma das melhores experiências que eu já tive como gamer, e posso afirmar sem medo que não dataram absolutamente nada. Continuam inteligentes, engraçados e acessíveis como sempre foram.

É uma pena que Lost Vikings II tenha sido o último jogo da Blizzard fora das suas três franquias principais (Diablo, Starcraft e Warcraft). Mas alguns jogos mais recentes mostram influências claras, principalmente Trine e Trine 2. Mas isso é assunto para outro post...

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