quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Witness Me!

Já que não tem troféu cromado, o sacrifício será pelas platinas!

Quando eu era criança e comentava com meus amigos sobre um novo jogo no colégio, a pergunta inevitável era: "zerou?"

Eu geralmente respondia, "não."

Mas isso não me incomodava. Na época dos 8 bits os jogos eram difíceis. Geralmente não era possível salvar, vidas e continues eram limitados, não havia níveis de dificuldade, muitos jogos que eu jogava eram alugados ou emprestados... E o forte desses jogos não era a história, então eu não me importava muito de não chegar no final.

Hoje em dia eu geralmente responderia "sim." Acabou a história de vidas e continues, que foram substituídos pelo conceito de saves e checkpoints. A história dos jogos de hoje é muito mais importante, logo os desenvolvedores se preocupam em fazer um jogo "zerável" mesmo que o gamer seja meio pereba (meu caso).

Só que a pergunta mudou. Pelo menos entre os gamers mais hardcore, você comenta que zerou um jogo legal e a répica automática é: "platinou?"

Eu geralmente respondo "não." E continuo não me incomodando com isso.

Vou tentar explicar.

(Sei que estou sendo caricato, as perguntas geralmente são menos incisivas. Tipo "já viu se a platina é tranquila?" Mas no fundo elas denotam o mesmo foco, então vamos lá.)


Conquistas


Lego Batman 2 e Toy Story 3, minhas únicas "platinas" no 360

Quando eu comprei meu XBox 360 e descobri os achievements, achei genial. Eu realmente olhava para os achievements como uma lista de pretextos para estender o jogo da vez, que eu estava curtindo e não queria que acabasse. Foi para isso que os achievements foram criados. Quando são usados dessa forma, são um ótimo adendo à experiência do jogo. Se tudo ficasse nisso eu só teria elogios para esse tipo de metagame.

Os achievements são bons porque estão lá exatamente para isso: são apenas desculpas. A estrutura não estimula a mentalidade pokémon, "gotta catch 'em all". Quando você olha seu avatar o XBox mostra seu gamerscore total. Se você tem 10.000 G, não importa se você conseguiu 1.000/1.000 em 10 jogos, 500/1.000 em 20 jogos ou qualquer outra combinação mais realista. É lógico que, se você quiser olhar os detalhes, é possível. Eles estão lá. Mas são apenas isso: detalhes.

O esquema dos achievements deu tão certo que foi copiado quase sem mudanças para outras plataformas, como Steam e Android. Em todas elas o sistema funciona. Eu tenho todos os achievements do Antichamber na Steam, do Lara Croft Go no Android... E em todos esses casos eu consegui todos os achievements porque estava procurando uma desculpa para continuar jogando esses excelentes jogos.

Troféus


Quando eu mudei para o lado azul da força, pensei que estava fazendo um upgrade no metagame, pois os troféus me pareciam mais bem sistematizados. Ao invés dos 1.000 G do XBox (que os jogos podiam distribuir à vontade em até 50 achievements) os troféus na PSN foram limitados a bronze, prata e ouro. É como se os achievements só pudessem ter 15, 30 ou 90 pontos, respectivamente.

Com essa limitação a Sony está sempre contando conquistas, e isso é bem mais concreto que contar um número de pontos, que pode variar muito. Já vi achievements valendo de 5 a 300 G, logo o total agregado não diz muita coisa. Os troféus, além de representarem conquistas, são totalizados separadamente: bronze (fáceis), prata (médios) e ouro (difíceis). Fica mais segmentado, é uma evolução. Mas não é nada disruptivo.

Mas a Sony teve uma outra ideia: criar o troféu de platina! Esse troféu você só consegue quando libera TODOS OS OUTROS troféus de um jogo. E aí começou o problema.

Meu perfil. Aposto que sei qual desses números você procurou de cara.
Tenho certeza de que, se fechar os olhos agora, você lembra dele.

Hoje, quando você bate o olho num perfil na PSN, você não quer saber em que nível o cidadão está, nem quantos troféus ele já desbloqueou. Você também não presta atenção no número de bronzes, pratas ou ouros. Você só olha para um número: o número de platinas.

Eu, particularmente, não ligo para comparações entre amigos, para os famosos bragging rights. Prova disso é que não presto muita atenção na raridade dos troféus. O que me incomoda em não ter a platina de um jogo que eu gostei é aquela compulsão, o complecionismo. A vontade de ver TUDO que um jogo tem a me oferecer antes de passar para o próximo. Isso existia um pouquinho nos sistemas de achievements, claro, mas o esquema dos troféus da PSN esfrega isso na sua cara o tempo todo.

Durante quase um ano eu não tinha nenhuma platina. Era quase um insulto, aquele zero me olhando toda vez que eu por acaso tinha que passar pelo meu perfil. Mas as platinas sempre envolviam alguma coisa que eu não queria fazer: o multiplayer do Tomb Raider, o segundo playthrough do Infamous, o modo Hard do Ground Zeroes, o PVP do Destiny. Finalmente eu joguei o The Order. Entendo que muita gente se decepcionou, mas eu até que gostei do jogo (sou muito ligado em gráficos) e achei uma platina divertida. Fiquei até com pena quando acabaram os pretextos para continuar jogando o jogo. Como deveria ser.

Índios


Meus "completed games", segundo o psnprofiles.

Mais recentemente eu platinei o Volume, outra platina divertida. E fiz 100% dos troféus em 4 outros jogos, mas eles não tem platina. E o engraçado é que são todos indies... Inclusive o Volume!

Quando a Microsoft inventou o sistema de achievements, no lançamento do 360, as regras eram claras. Jogos retail, que só saíam em disco, tinham 1.000 G. Jogos digitais, na Live Arcade, 200 G. Mas essa divisão está cada vez mais difusa, com indies cada vez mais ambiciosos e muitos jogos retail com escopo menor.

Uma vantagem que a Microsoft já demonstrou ter é que ela reage rápido. Alguns anos depois ela aumentou o "orçamento" dos jogos da Live Arcade para 400 G, e mais tarde, quando lançou o XBox One, ela jogou a toalha: desde então todo jogo (por menor que seja) tem direito a 1.000 G. Cada um dos 30 jogos da coletânea da Rare, por exemplo, tem 1.000 G.

Eu, pelo menos, acho justo. Jogo é jogo. Nunca vai ser possível comparar a dificuldade de Dark Souls com a do Journey... Mas também não dá pra comparar com a do The Order, então para quê preciosismo?

Só que a Sony fica de miséria com as platinas, o que abre margem para muitas incoerências. A única regra para a qual eu ainda não vi exceção é que os jogos lançados em disco por 60 dólares tem que ter platina. Fora isso... Tem jogos mais baratos em disco com platina (Rayman Origins/Legends) e sem platina (Ground Zeroes, Trials fusion). Mas é nos indies exclusivamente digitais que fica impossível adivinhar qual é o critério.

As especulações são que, para um indie ter platina, o desenvolvedor tem que solicitar isso, a Sony tem que aprovar, e isso implicaria num aumento nos custos de licenciamento (e de QA, obviamente). Além disso a Sony parece facilitar as coisas quando o indie é um "console exclusive" (Volume, Resogun, Helldivers).

Mas exceções abundam.
  • Há exclusivos sem platina - que exemplo melhor que Journey?
  • Também existem indies com platina que saíram no XBox: Strider, Trine 2... Aliás, Trine 2 é um exemplo engraçado. A platina no PS3 é uma das mais fáceis que existe, enquanto a do PS4 é abusivamente (para usar um advérbio Asgaardiano) mais difícil.
  • Os jogos episódicos da Telltale costumam ter platina, inclusive a primeira temporada do Walking Dead. Mas a segunda temporada não...
  • Back to the Future, também da Telltale, não tem platina... Se você comprar a versão digital! Se comprar a versão em disco, tem...
  • Plants vs Zombies: no Vita tem platina, no PS3 não. Qual o sentido disso?
E por aí vai.

33/35


Tem gente que se diverte mais com os troféus que com os jogos em si, chegando ao extremo de jogar Hanna Montanna só para conseguir uma platina em 3 horas. Eu gosto de pensar que o fato de um jogo ter ou não platina, mais fácil ou mais difícil, não tem influência na minha decisão de adquiri-lo ou priorizá-lo. (Se bem que vai sair Hitman Go pro Vita... Com platina...) Não, o que me irrita nas platinas merece um exemplo.


Eu tenho 33 dos 35 troféus de God of War II. Isso significa que, fora a platina, só me falta um único troféu - e eu já desisti dele. Logicamente trata-se do troféu mais difícil do jogo: encarar todos os challenges. Num certo sentido, eu me orgulho de NÃO TER esse troféu.

Eu joguei GoW2 no normal. Sempre na expectativa do próximo cenário grandioso, do próximo chefe gigante, da próxima batalha épica. Morri pouco. Toda vez que eu ganhava um combo ou magia nova, usava até não aguentar mais. Eu DECIDI jogar assim. Foi uma ESCOLHA minha, que o jogo permitiu - ele me perguntou em que dificuldade eu queria jogar. E nenhum outro troféu se importou.

No final, vieram os challenges. Você não pode mais escolher a dificuldade, tem que jogar no modo TITAN. Não tem mais nenhum chefe gigante, batalha ou cenário grandioso para te recompensar. Você não pode mais usar seus combos preferidos. Tem que matar certos inimigos de formas específicas. E tudo correndo contra o tempo.

É tão incongruente com o jogo principal, com os outros troféus... Distoa completamente. O que faz um desenvolvedor pensar que, se eu me diverti com tudo o que eu fiz até aqui, eu CERTAMENTE vou me divertir fazendo isso, algo que é completamente diferente (e muito mais difícil, obviamente)?

A resposta óbvia é: NADA. O desenvolvedor não pensou que isso seria legal para quem pensa como eu, nem por um momento. Esse troféu está aí só para... Rufem os tambores... JUSTIFICAR a platina.

8 ou 80


Que fique claro, eu não sou contra platinas difíceis. É normal que a platina de um jogo da série Souls seja muito difícil. Está de acordo com o estilo do jogo.

Já torço um pouco o nariz para a trilogia remasterizada do Drake. Uncharted é um jogo pipoca, sessão da tarde. É o Indiana Jones dos videogames. Qual o sentido de você criar um nível de dificuldade para os casuais que não conseguem nem jogar no easy, mas por outro lado tirar os troféus nessa "dificuldade"? E fazer a platina depender de zerar no Crushing? Se a Naughty Dog (ou a Bluepoint, sei lá) admitiu que era melhor deixar a dificuldade Brutal fora da platina, porque manter o Crushing e o Hard como exigências?

Acaba que estou jogando os jogos no normal, sem ligar para collectibles (que não interferem no gameplay) ou qualquer outro troféu.

Medinho


Sei que os gamers hardcore levantarão a sobrancelha com desdém, dizendo que só no hard você é obrigado a usar todas as ferramentas que o jogo te dá, aproveitando ele ao máximo. Eu aceito esse argumento, mas contraponho outro. Vamos usar o próprio Uncharted 2 remasterizado como exemplo.

Dois amigos meus terminaram o jogo recentemente, um no normal e o outro no crushing (para platinar). Depois de terminarem eles compararam as estatísticas que a trilogia fornece. A que mais chamou a atenção foi a dos checkpoint restarts: 74 contra 380.

Além do tempo necessário para terminar um jogo no hard ser muito maior, o que significa jogar menos jogos, e de gostar de ter a experiência da forma que os developers projetaram, meu outro argumento para jogar no normal é que ele faz com que você improvise mais, de um jeito, por incrível que pareça, mais realista. Você acaba se comportando menos como quem tem vidas infinitas.

Quando eu jogo no hard o que me faz eventualmente passar de um checkpoint não é jogar melhor, e sim decorar tudo. Decorar onde estão os melhores cover spots. Onde os inimigos vão fazer respawn. Onde está cada pente de munição. Cada checkpoint vira um mini dia da marmota. Isso acaba se tornando repetitivo, tedioso, e muitas vezes frustrante. Não sinto que esse é um jeito melhor de aproveitar o jogo, pelo menos pra mim (meu amigo platinador discordará, certamente).


A platina estimula essa mentalidade 8 ou 80. Quando fui começar o The Last of Us, vi que precisaria de três playthroughs (um no Survivor) fora algumas horas online para conseguir tudo, então desisti logo de cara. Inclusive dos collectibles (que também não interferem no gameplay). Resultado: terminei o jogo com três troféus - e estou satisfeito, não penso em voltar para ele.

Mas o que me revolta mesmo é quando existe um único troféu pra evitar que "qualquer um" (como eu) platine o jogo. E os que eu mais odeio são os speedruns. Qual a graça de terminar God of War (o primeiro) em cinco horas, no easy, fugindo dos inimigos? Ou o Broken Age em uma hora, pulando desesperadamente todas as cutscenes e diálogos - em um adventure! - para terminar com menos de cinco minutos de folga? Isso é se divertir?

Parábola


Um dos melhores jogos que eu joguei ano passado foi o Stanley Parable. Eu fiz todos os achievements desse jogo, menos um - que exige que você fique quatro horas pressionando um (ou dois) botões repetidamente. Nesse caso o simples fato do achievement existir é uma crítica, uma paródia dos grindy achievements nos jogos. Caso não se importe com os spoilers, veja o que acontece se você tiver paciência infinita.

O engraçado é como ele não é pior que a realidade. No Command and Conquer 3 tem um achievement por você apertar o botão A apenas 2.047 vezes durante uma única missão. Pior, ele só popa depois de completar a missão! O ideal é ficar estragando seu controle por 10 minutos, só para garantir. No Guitar Hero III tem outro por tocar todas as músicas no hard - usando um controle normal, guitarra não vale. Se isso não é sadismo, eu não sei o que é.

Por outro lado, em Avatar: The Burning Earth você leva todos os 1.000 G começando o jogo e acertando os primeiros guardas com ataques à distância, 50 vezes. Tempo estimado: 5 minutos. Só não é a platina mais fácil EVER porque não saiu para Playstation.

Dito isso, eu pergunto: vale à pena levar em consideração esse metagame para outro propósito que não catar desculpas para jogar mais um pouquinho aquele game que você ainda está com pena de aposentar na prateleira?

Utopia




Uma coisa que eu gosto muito no howlongtobeat é que ele entende a mentalidade dos diversos tipos de gamer. Ao expor quanto tempo em média os gamers levam para terminar um jogo, o site separa os complecionistas de quem só quer zerar. (Há ainda uma categoria intermediária, para quem quer fazer as side quests mas não faz questão de todos os achievements.)

Eu gostaria que o sistema de troféus também refletisse isso. A platina (quando existe) já cobre os gamers complecionistas, mas imagine por um momento como seria legal se houvesse algo para indicar que você simplesmente terminou um jogo.

Poderia ser uma bandeira quadriculada, por exemplo. Você poderia bater o olho no seu perfil e saber quantos e quais jogos você zerou, sem ter que se lembrar e contar. E no caso dos seus amigos? Quem se dá o trabalho de entrar nas lista de troféus individuais de cada jogo e caçar qual troféu representa zerar?

Além disso essa metainformação poderia servir a outros propósitos. Do mesmo jeito que é legal saber quais dos seus amigos tem ou estão jogando um determinado jogo quando você seleciona ele na interface do PS4 ou na Store, seria legal saber quais dos seus amigos já zeraram, para pedir a opinião deles, não? Não importa se não platinaram, eles já podem te dar um veredito final, e não apenas as primeiras impressões de quem talvez só passou uma ou duas horas com o jogo e ainda está na empolgação (ou decepção) inicial.

Seria inclusive bem fácil habilitar a bandeirinha retroativamente para os jogos do PS4, PS3 e PS Vita. Bastaria mapear qual troféu representa zerar. E, se os hardcore gamers fizessem questão de separar o joio do trigo, bastaria substituir a bandeirinha quadriculada por três medalhas (ouro, prata e bronze) para os três típicos níveis de dificuldade (hard, normal e easy).

Outro exemplo anedótico: certa vez eu vi o God of War III em promoção. Perguntei para um amigo, que eu sabia que tinha zerado, o que ele tinha achado do jogo. Ele respondeu que tinha gostado, mas que o chefe final era muito apelão então ele baixou a dificuldade (de normal para easy) para terminar. Resultado: fui comprar o jogo do mesmo jeito que se ele tivesse me dito que tinha platinado, pois a informação relevante seria a mesma, pelo para mim: ele gostou do jogo. O meta game dos troféus é um detalhe, um apêndice.

Enfim, tem horas que eu preciso lembrar isso a mim mesmo - que o mais divertido (pelo menos para mim) são os jogos em si: danem-se os troféus. Onde foi que eu parei mesmo? Uncharted 2. Vou voltar a jogar.

P.S.: Este texto foi revisado por um platinador perito e por um acumulador de achievements e badges na Steam.

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