domingo, 9 de fevereiro de 2020

MasterPlayer

Um dia desses eu estava assistindo a reprise de um episódio do MasterChef. Como eu já sabia quem seria eliminado não havia suspense, então meu cérebro começou a devanear e, por algum motivo, acabei chegando na seguinte comparação:

Jogos são como comida.


Antes que você pule da cadeira argumentando que "ninguém precisa de jogos pra viver" ou algo assim, deixe-me assegurá-lo de que eu tenho plena consciência dos limites das analogias. Sendo assim, convido você a se aventurar por esse pretensioso texto gastronômico-jogabilístico.

Eu não sei cozinhar


Em primeiro lugar, vamos deixar uma coisa clara: eu mal sei fazer um misto quente ou fritar um ovo. Mas gosto de comer uma boa refeição, como qualquer um. Esse texto não encara os jogos ou a comida do ponto de vista de quem faz (desenvolvedores e cozinheiros), mas sim do ponto de vista de quem consome (jogadores e... todo mundo).

Tem gente que não gosta de canela


Outra coisa, não adianta você dizer que eu preciso jogar os jogos da franquia Resident Evil, por exemplo. Não adianta: eu simplesmente não gosto de jogos de terror. Do mesmo jeito que o Jacquin não gosta de canela, mas ainda assim chegou a jurado do MasterChef. Não gostar de canela é um direito dele. Ninguém vai dizer que ele não sabe apreciar gastronomia por causa disso.

Tem gente que escolhe os jogos como se estivesse montando um Curriculum Gamer - esse termo era para ser uma piada, mas teve gente que não entendeu e leva a sério. Não cometa o mesmo equívoco, jogue o que você gosta. Lembre-se que os jogos estão aqui para te divertir - e você não é obrigado a jogar nada, do mesmo jeito que você não é obrigado a gostar de dobradinha.

Além do mais, a coisa vai mais longe. Nem é só questão de não gostar de canela. Eu não sou o Anton Ego, o crítico gastronômico do Ratatouille (a animação da Pixar). Eu não me animo só com "novas perspectivas":  gosto de comer um prato diferente, sem dúvida - mas tem dias que eu só quero um bom bife com batata frita.

Do mesmo jeito que eu reconheço todos os méritos do The Last of Us - mas prefiro Uncharted. Não é o fato de que o primeiro ganhou mais prêmios de jogo do ano que vai garantir minha preferência. Afinal, é um jogo de zumbis. E eu não gosto de zumbis. E isso, para mim, é suficiente para fechar a argumentação com chave de ouro.

Eu não escrevo o Guia Michelin


Eu gosto muito de listas de melhores jogos para refletir se eu devo priorizar alguma coisa que eu deixei passar, mas quando eu faço a minha própria lista eu prefiro chamá-lo de "favoritos do ano / geração / década", pois quem tem tempo de jogar todos os lançamentos relevantes para opinar sobre quais seriam os melhores?

Em 2015, por exemplo, os quatro jogos mais premiados foram Witcher 3, Fallout 4, Metal Gear 5Bloodbourne (o único que não é uma sequência, só pra acabar com a P.A.). Cada um deles oferece uma experiência que pode exigir três dígitos de horas para ser apreciada plenamente. Quem jogou os quatro pra opinar com propriedade sobre qual é o melhor? Caramba, já se passaram cinco anos e eu ainda não consegui jogar nenhum deles!

Isso pode gerar uma certa angústia, mas a gente deveria ser mais desencanado com isso. Se eu te disser que o melhor prato do universo está em um restaurante no Casaquistão, você viajaria até lá pra experimentar? Ou se eu disser que a melhor experiência gastronômica da sua cidade é um menu degustação de um chefe super famoso e custa centenas e centenas de reais por cabeça, você ficaria nervoso até conseguir ir? Gastaria um monte do seu suado dinheirinho com isso?

"Mas todo jogo custa no máximo 60 dólares (fora DLCs, Season Pass e micro transações)", dirá você. E eu vou responder que acessibilidade não é só dinheiro. Por exemplo, se você não tem 100 horas pra jogar cada RPG que sai - e saem vários bons RPGs todo ano... Talvez a maioria dos RPGs não seja para você.

Isso não é uma regra. Eventualmente surgirá um RPG que vai te interessar tanto que você não se importará de jogá-lo por meses a fio, sem se importar com o que mais está saindo. Tenho um amigo que levou um ano para terminar o Skyrim e outro que levou quase o mesmo tempo pra terminar o Witcher 3, em ambos os casos jogando quase que exclusivamente esses jogos. O mesmo aconteceu comigo com Horizon Zero Down.

A grande questão é que eu escolhi jogar o Horizon em vez de outros RPGs. Só em 2017, por exemplo, saíram diversos outros RPGs super aclamados, como Breah of the Wild, Persona 5, Nier Automata, Nioh, Divinity... Todos com dezenas e dezenas de horas de conteúdo. Eu  certamente não tinha tempo para todos, então escolhi o único com dinossauros robôs.

Você conhece alguém que termina um RPG gigante desses em um ou dois meses e ainda sobra uma semana pra palitar os dentes lendo fanfics com finais alternativos na internet? Eu também conheço. Mas não é o caso da maioria das pessoas... E certamente não é o meu.

Em resumo, não dá pra experimentar todos os pratos de todos os restaurantes do mundo - nem todos os jogos. Você vai ter que escolher, assim como eu. Vamos lidar com isso.

A vergonha engorda


Você provavelmente já ouviu a piada. "Eu engordei por causa da vergonha - mamãe dizia que é uma vergonha deixar comida no prato."

Muitas vezes você percebe que já extraiu a melhor parte de um jogo. Que, daqui para frente, o tempo gasto para terminar o jogo não vai mais render tanta diversão. Mas aí o seu lado complecionista começa a se incomodar com isso. Como se deixar um jogo de lado, pela metade, fosse "a marca da vergonha".

Eu larguei Shadows of Mordor na antepenúltima missão de história (o menu do jogo te mostra quantas faltam). Eu já tinha pego todos os colecionáveis e praticamente completado a árvore de habilidades. Provavelmente teria terminado o jogo, se a tal missão não fosse tão chata e repetitiva (na minha opinião, claro).

Pode ser que um dia eu tenha vontade de voltar e terminar o jogo? Pode até ser. Mas, naquele momento, o jogo não estava mais me divertindo - ou seja, não estava mais cumprindo o propósito dele.

Se, ou melhor, quando isso acontecer com você, faça o que os nutricionistas orientam: largue o prato (e o jogo) pela metade. Vergonha é você continuar consumindo algo que você sabe que não está sendo bom para você.

Por outro lado, se um jogo continua me divertindo, eu vou até o final! Aproveite que jogos não tem calorias e vá até a última colherada, não se deixe distrair por cada novo lançamento. Senão você vai cair na situação que eu vou deixar para o próximo tópico.

Primeira vez no quilo


Sabe o que acontece quando você vai num restaurante a quilo pela primeira vez? Por não estar acostumado com o que é oferecido ali, é comum você colocar feijão no prato (afinal, tem paio), olhar a próxima bandeja e pensar, "eu também gosto de strogonoff..." Pronto, está consumada a heresia da qual você vai se arrepender antes mesmo de se sentar à mesa.

Eu tenho um ritual quando vou num quilo pela primeira vez: eu não pego o prato logo de cara. Faço questão de olhar o buffet todo, por mais que o pessoal que está se servindo me olhe de cara feia, me achando um enxerido. Só depois eu pego o prato e me sirvo, já tendo selecionado mentalmente os ingredientes do meu prato super harmônico - inclusive a saladinha para aplacar a consciência.

Se você não pensar um pouco, acaba fazendo o mesmo com os jogos. Parando tudo para jogar o último lançamento do momento - até sair o próximo, daí você larga tudo pelo meio de novo. E, no final do ano, você percebe que emendou três RPGs, mas não aproveitou nem 10% de cada um deles - e você nem gosta tanto de RPGs!

Eu gosto de planejar as coisas, pelo menos um pouquinho. Nada que corte a espontaneidade, só o suficiente para não colocar coisa demais no prato e depois me arrepender da bagunça e perceber que eu larguei tudo pela metade.

Quero o mesmo que ele


Sabe quando você está no restaurante e todos os seus amigos pedem o mesmo prato? Muita gente fica com medo de pedir outra coisa, afinal, essa outra coisa pode ser pior que o prato que todo mundo pediu, e você vai ter que sofrer olhando eles degustarem a lasanha aos três queijos enquanto você encara com tristeza seu amontoado de legumes ao vapor.

Existe um acrônimo para isso (em inglês): FOMO, Fear Of Missing Out. É esse o arqui-inimigo dos gamers, o medo de estar perdendo a melhor experiência que você poderia estar tendo naquele momento. Ele geralmente é ativado pela opinião dos outros, desde uma conversa com os amigos até os reviews e listas de melhores do ano da crítica especializada.

Vamos usar outra analogia. Tem gente que fica trocando de canal o tempo todo na TV e não consegue assistir um programa até o fim, por estar sempre inseguro, pensando "talvez o que está passando nos outros canais seja melhor". Ou não consegue escolher o que ver no Netflix, por não saber de qual daquelas séries vai gostar mais.

Tem horas que a gente romantiza demais os videogames. Eles são um passatempo. Escolha algo que pareça interessante e jogue. Se divertiu? Foi uma escolha acertada. Não se preocupe se "outro jogo poderia ser mais divertido". Você nunca vai ter certeza até jogar todos os concorrentes, o que seria impossível, então jogar o que mais chamou a sua atenção é sábio. É o melhor que você pode fazer com a informação limitada que você tem na hora de escolher.

Uma analogia mais perigosa: sabe quando você está atravessando a rua perto de uma curva (algo que você não deveria fazer) e, de repente, vira um carro em alta velocidade? Muitas vezes, nessa situação, não importa se você vai correr para frente, terminando de atravessar a rua, ou para trás, voltando de onde veio. O importante é correr - e se salvar do atropelamento!

Do mesmo jeito, muitas vezes o mais importante não é qual série você assiste ou qual jogo você joga. É só se divertir e relaxar um pouco, merecidamente, já que o fim de semana chegou.

Inconclusivo


Esse post estava há meses e meses salvo como rascunho no blog, já que, quando eu estava escrevendo, não tive tempo de concluir. Só que era o único post salvo como rascunho, e hoje meu TOC alarmou forte com isso. Sem paciência para escrever uma conclusão que amarre tudo desde a analogia inicial, vou aproveitar que nenhuma professora de redação vai dar uma nota para isso aqui: vou pular, num anacoluto semântico, direto para a mensagem final:

"Desencane dos melhores, jogue o que der vontade e seja feliz!"

E assim eu publico de uma vez por todas essa autoajuda gamer.

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